quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Memória sobre as colónias de Portugal situadas na costa ocidental d’África,

Memória sobre as colónias de Portugal situadas na costa ocidental d’África, António de Saldanha da Gama, 1814, impresso em 1839 em Paris.




1) Cabo Verde e suas ilhas



     O tráfico de escravos já há muito que terminou, pelo que a prosperidade da colónia não se deveria ressentir por este facto. No entanto, diz-nos António Gama que não se convence que não haja nada a fazer para aumentar e melhorar a colónia, visto o seu estado não ser o que deveria graças aos recursos naturais que possui.

     O único objectivo que parece existir é a colheita e venda da urzela; no entanto, em vez de aumentar e melhorar a colónia, como deveria, contribui para a sua diminuição, bem como para a humilhação dos naturais de Cabo Verde – isto traduz-se num “estado lastimoso e abatido da colónia”.

     António Gama explica o porquê disto. A fazenda real, através dos capitães-mores dos distritos, compra a urzela por um preço fixo; e aqueles exercem o seu poder enganando em quanto podem os vendedores: medem este produto com a sua escala e não com as dos vendedores; não pagam em dinheiro mas em géneros prepara, causando por vezes danos e prejuízos na ordem dos 100% a quem vende; recusando parte do pagamento com a desculpa que a urzela não está devidamente limpa, ou que está misturada com outras matérias, não sendo pura.

     Propõe António Gama que a venda da urzela seja livre, em vez de ter estanco real, e ter apenas um pequeno e simbólico tributo de exportação, já que na sua óptica é esta a única maneira de ela poder competir no mercado europeu com outras descobertas “que produzem a mesma cor, inda que inferior em qualidade, mas que sam preferidos em razão da sua barateza”.

     Segundo António Gama, há dois ramos que deveriam ser mais explorados:

          1 – Cultura das plantas e árvores que são conhecidas pela abundância e excelência dos seus óleos: mandohí, gerzeli e a palmeira de Dendé, por exemplo. Tanto a palmeira como as plantas mencionadas produzem 3 espécies diferentes de azeite, de grande qualidade, e que podem ser aplicados não apenas para usos culinários mas também para o fabrico do sabão (que seria de fácil promoção num país com tanta abundância de matéria alcalina;

          2 – Pescas e salgas de peixe: as ilhas possuem sal muito bom e em muita quantidade, bem como estão os mares em seu redor povoados de muitos peixes. É importante notar uma certa crítica que o autor faz ao facto de, independentemente de Portugal ser um grande consumidor de peixe, não fomentar esta actividade e deixar-se depender dos estrangeiros. O autor refere os casos da Inglaterra, França e Holanda porque estas potências fomentam a pesca, “porque os pescadores sam a escola e o viveiro dos marinheiros”; já Portugal, que em grande parte se sustenta de peixe salgado, cujo território é uma grande costa, e cujas colónias oferecem tantas oportunidades de fomentar a pesca, deixa este ramo abandonado.

     Diz-nos ainda que estas ilhas produzem quase todas as frutas dos trópicos, bem como cana-de-açúcar e café.

     Possui uma manufactura de tecidos grosseiros de algodão, artigo de comércio para os presídios de Bissau e Cacheu, sendo por isso também útil promover e aperfeiçoar tal manufactura.



2) Bissau e Cacheu



     Nestas zonas abundam gomas (como por exemplo a arábica), resinas, marfim e madeiras, entre outros produtos que as poderiam tornar ricas.

     As terras são próprias para a cultura do arroz, trabalho que é feito com gosto pelos habitantes. Pergunta-se António Gama por que razão não poderão ser estas terras a fornecer Portugal deste produto, visto geograficamente estarem mais próximas do Continente.

     Quanto ao ramo das pescas, estas poderiam ser promovidas, bem como a salga e a extracção do azeite de peixe.

     Florescem os vegetais dos quais se retiram óleos como o de rícino, mandobi e palmeira de Dendé.

     Conhecem-se pouco as madeiras de África; as árvores presentes são pequenas e sólidas e muito coloridas, o que as torna próprias para trabalhos de marcenaria e embutido.

     António Gama diz pensar ser possível a prosperidade dos aromas da Ásia em Bissau e Cacheu, e que também a pimenta, cultivada na Bahia, poder-se-ia nestas áreas aclimatar-se.



3) São Tomé e Príncipe



     Encontra-se em grande estado de decadência, sendo impossível a qualquer observador reconhecer nesta colónia o que é descrito pelos historiadores.

“Quando não há uma attenção assídua e cuidadosa sobre objectos d’esta natureza [mapas estatísticos que possam comprovar as tendências de decadência ou progresso da colónia], governa-se ás cegas, e entrega-se ao acaso, muitas vezes avesso, a sorte do povo e do estado.”

     Anteriormente, esta colónia floresceu e produziu muita cana-de-açúcar, muitos engenhos, era muito povoada; porém, na altura em que o autor escreve, está arruinada, quase despovoada e tem fama de ter um clima muito difícil.

     Devido ao decréscimo da agricultura, cresceram arvoredos, cerraram-se matas, voltaram a formar-se pântanos, e a atmosfera corrompeu-se por causa de decomposições de detritos vegetais e animais; tudo isto tornou a ilha doentia.

     Segundo o autor, isto pode estar ligado ao florescimento do Brasil, que passou a ocupar em grande parte a atenção do governo e da nação por ser tão fértil e rico.

     Refere António Gama que a aguardente poderia ser mais vantajosamente produzida, visto ter uma venda segura nos portos vizinhos da costa de África, para além de exigir menos despesas de trabalho e de fabrico que o açúcar.

     São Tomé e Príncipe produz ainda café de excelente qualidade (“(…) que rivalisa em seu aroma e sua superioridade com o tão afamado de Moka(…)”).

     É ali preparado ainda uma espécie de sabão, próprio para lavagem de renda e objectos delicados; quando misturado com algum aroma, poderia competir com o de Nápoles, vendido na Europa a um preço elevado. Tendo uma consistência mole (própria para transporte em pequenos barris), poder-se-ia dar-lhe uma consistência mais sólida para o seu transporte ser mais fácil e económico.

     Tal como em relação à urzela, o estanco do sabão deveria ser abolido, já que é demasiadamente pesado para o povo. Isto provoca obstruções ao asseio e limpeza, “que também sam meios e critérios de civilização, e que tem uma benéfica influência sobre a saúde pública.”

     O último bispo a estar presente na ilha produziu vinha, que deu vinho de boa qualidade; posteriormente, esta cultura foi interdita, embora António Gama seja da opinião de que deveria voltar a ser permitida.

     Propõe ainda a introdução de certas especiarias e cacau nas produções da ilha.



Conhece tudo de algo e algo de tudo.

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