segunda-feira, 29 de março de 2010

Curiosidades cronológicas

Algumas curiosidades cronológicas que muitas vezes não são conhecidas estão contidas na "Synopsis Chronologica" mandada publicar pela Academia Real das Sciencias em 1790.

Nesta sinopse, que se pode encontrar no Google books, encontram-se ainda dados raros para a História da Legislação Portuguesa.

Transcrevo por ora alguns destes dados.

"Anno de 1422:

Lei, ou Determinação Régia do Senhor Rei D. João I de 22 de Agosto de 1422, para que todos os Taballiaens, e Escrivães pomnhão em todos os Contractos, e Escripturas, que fizerem: Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo, assim como antes costumavão pôr: Era de Cesar, sob pena de perdimento dos Offícios."


"Anno de 1434:

Lei Mental de 8 de Abril de 1434 da Era de Christo, reduzida a Lei escrita, e dada ou publicada pelo Senhor Rei D. Duarte nas Cortes, que então fez em a Villa de Santarem (ainda que praticada já pelo Senhor Rei D. João I que nunca a quiz publicar e reduzir a escrito, mas tendo-a como in mente, foi obrando conforme a ella, e fazendo-a observar, d'onde traz o nome): em que se declara a forma que se ha de ter na sucessão dos bens da Coroa. E diz o mesmo, que a Ord[enação] antiga do Senhor Rei D. Manoel liv. 2 tit. 17 no cap. I. até o 6 inclusivamente, achando-se já no mesmo lugar da Compulaºão acabada e impressa em 1514, onde pela primeira vez se incorporou nos livros das ordenações, sem se poder achar huma razão solida: e que a Ord.[enação] nov. liv. 2 tit. 35 nos caps. I. 3: até ao 8 inclusivamente. Veja-se a Lei de 30 de Junho de 1434, a Determinação do Senhor Rei D. Affonso V, que se acha na dita Ord. ant. cap. 25, e na nov. em o cap. 27. E vejão-se também as Leis de 28 de Abril de 1587, e 2 de Maio de 1647.

[...]

Lei de 30 de Junho do anno de 1434, dada em Lisboa pelo mesmo Senhor Rei D. Duarte, em que se determinárão  e declarárão as dúvidas que se lhe propozerão sobre a Lei Mental, por elle reduzida a escrito e publicada em a Vila de Santariem aos 8 de Abril: da mesma fórma que se acha na Ord. ant. do Senhor Rei D. Manoel liv. 2 tit. 17 desde o cap. 7 até ao cap. 23 inclusivé, e na Ord. nov. liv. 2 tit. 35 desde o cap. 9 até ao cap. 26 inclusice, menos no cap. 15, o (???) E esta declaração, até ao fim"

Conhece tudo de algo e algo de tudo.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

“Corografia ou Memória económica, estadística e topográfica do Reino do Algarve por João Baptista da Silva Lopes, 1841

Concelho de Tavira:  (por agora, por ser demasiado extenso e por falta de condições de legibilidade das entradas sobre Fuzeta e Cachopo, vou transcrever apenas o que diz respeito à cidade de Tavira em si)


"Comprehende este concelho terrenos das três faxas em que dividimos o Algarve, sendo grande parte na serra. A sua maior producção he de alfarroba, amêndoa e azeite; deste há 29 lagares trabalhando effectivamente no tempo próprio. O azeite poderia ser melhor, pois que pela maior parte deixão apodrecer a azeitona a ponto de cahir ella por si no chão, e dalli a levão para os lagares, onde lhe deitão muito pouco sal, e ás vezes nenhum; há também pouca limpeza nas capachas, tarefas, caldeiras e lagares; devem dar mais cuidado a este ramo que hé importante.

Confina o Concelho com os de Villa Real e Castro Marim a E., este e Alcoitim a N., Olhão e Faro a O., e mar a S.


Tavira, antiga, aprazível, e famigerada cidade, que alguns querem seja a antiga Balsa; mas segundo o itinerário de Antonino de Vessel (pag. 426 XVI Ms.) estava esta situada na costa do Algarve em altura de 37º e 36º de longitude, 5 léguas de Ayamonte ou Esuri, e 4 da capital Ossonoba, ficando Tavira no meio; o que tudo hé conforme com as distâncias que Antonino escreve haver de huma terra a outra. Forão antigamente famosos estes povos balsenses, e pertencião estipendiários ao concelho jurídico pacence, assim como os de Esuri. Foi tomada aos Mouros pelo famoso D. Paio Peres Correia em 11 de Junho de 1242, em consequência da inesperada perfídia de seus habitantes praticada para com huns cavalleiros, que de Cacella tinhão hido caçar nos arredores de Tavira. El-rei D. Sancho II fez doação della com o padroado da igreja á Ordem de S. Tiago por carta de 9 de Janeiro de 1244 em retribuição de ter sido tomada por seus cavalleiros. D. Affonso III lhe deo foral com o título de villa, que D. Manuel depois reformou. Por aquelle primeiro se vê que reservou el-rei certos bens, que por seus almoxarifes mandavão seus sucessores administrar, e arrecadar as rendas até D. Fernando. El-rei de Castella, quando abandonou as pretenções, que tinha sobre o Algarve, fez entregar a D. Affonso III o castello de Tavira, e os mais deste reino, por carta de 16 de Fevereiro de 1267 dirigida a D. João de Aboim, mordomo mor do de Portugal, e a D. Pedro Annes, seu filho, quitando-os da homenagem que por elles tinhão dado. Estando el-rei D. Diniz nesta villa deo carta de privilégios a seus moradores, datada em 15 de Abril de 1303, para que seus herdamentos não podessem ser penhorados ou vendidos por dívidas, excepto sendo real; privilégio que foi confirmado e ampliado aos bois, não excedendo a quatro, por D. Manoel em carta dada na mesma villa em 17 de Abril de 1509, e ainda por D. João III em 1525. Foi XXX pelo mesmo rei D. Diniz, XXX por elle forão reparadas as muralhas que havia em tempo dos mouros, e talvez acrescentado o seu recinto.

Os seus habitantes fizerão assignalados serviços nas guerras da expulsão dos Mouros, conquista da África, socorros que mandarão ás praças cercadas como a Arzila em 1516, a Mazagão em 1576 e vários outros, que mencionarão allegação que fizerão ao concelho da fazenda pelos annos de 1662 e 1663 para ter feira franca no princípio de Outubro, e que os de Faro inpugnavão; pelo que lhes farão concedidos vários e valiosos privilégios particulares, além dos communs com os demais habitantes do Algarve, que já ficão referidos. Por carta de 21 de Dezembro de 1363 lhe havia sido restituído o privilégio de ter almotaçaria cível e crime que el-rei D. Fernando lhe tirara. El-rei D. Manuel, por carta de 22 de Fevereiro de 1500 a havia escolhido para couto de homiziados, que de Castella ou quaisquer partes do reino, alli quizessem vir recolher-se dentro de 4 mezes. Em carta de 10 de Março de 1453 foi permitido aos mareantes e pescadores poderem hir vender seus pescados onde e como quizessem. Em outra de 2 de Novembro de 1555 foi concedido aos mesmos que fossem cazados e a suas mulheres, quanto á prizão de suas pessoas somente, o privilégio outorgado aos escudeiros do Algarve, o qual ainda F. Filippe confirmou em 26 de Março de 1584. A todos os escudeiros de Tavira tinha el-rei D. Manoel concedido por carta de 14 de Setembro de 1506 que quando devessem ser presos, fossem tratados como os cavalleiros em suas prisões; e os peões e povo houvessem nos casos crimes, excepto furto, as penas que as leis impõem aos escudeiros, não sendo jamais açoutados, defradados com pregão, nem recebão penas públicas por suas culpas e malefícios, isto em attenção a terem os reis recebido continuados serviços nas armadas e socorros de além-mar, em que expunhão suas pessoas e gastavão sua fazenda; el-Rei D. João III confirmou este privilégio em 10 de Novembro de 1525. Por tão egrégios serviços elevou o mesmo D. Manoel a povoação á cathegoria de cidade por carta de 17 de Março de mil quinhentos e vinte. O mesmo rei, attendendo ao requerimento os officiaes mecânicos, e povo desta cidade lhe deo o Regimento dos Mesteres, datado a 18 de Agosto de 1539, no qual hé bem digno de observar-se a consideração em que era tida a gente do geral, ou terceiro estado; e como tinhão parte em os negócios importantes do Concelho. As suas armas são huma ponte com dous castellos e hum navio à vela por baixo da ponte. Assento em Cortes no banco 2º. Nesta cidade e seus arredores habitavão então famílias mui distinctas por fidalguia, das quaes recolheo com cuidado alguns nomes o erudito Damião António de Lemos Faria e Castro. Varias vezes aportarão aqui os nossos reis, quando passavão á África, ou d’além regressavão ao reino. Em Junho de 1489 foi el-Rei D. João II com toda a corte assistir nesta villa, quando mandou Gaspar Juzarte com huma armada construir a villa Graciosa no rio de Laraxe, afim de estar mais perto, e remediar qualquer inconveniente que occorresse, para o que recebia avisos diários do que lá se passava; demorando-se até Setembro, em que voltou a armada tendo abandonado a villa por não poder resistir ao apertado cerco, que lhe pozerão os Mouros.

Pelo terramoto de 1755 soffreo a cidade consideravelmente: a rua nova pequena, corredoura, e ribeira ficarão inhabitáveis; o convento de S. Francisco padeceo muitas ruínas; ficou arrazado o hospital, que se estava acabando de reedificar; morreo huma rapariga. Já tinha padecido outra igual ou maior catástrofe no que houve a 27 de Dezembro de 1722 ás 6 horas da tarde. Nella está o quartel general, governador da praça com os fortes e baterias da sua dependência. Era cabeça de comarca; residência do corregedor, do provedor das comarcas do Algarve e de juiz de fora, hoje de juiz ordinário. Alfândega, que já foi de maior rendimento do que qualquer das outras; ao presente em muita decadência. Professor de grammatica latina, e mestre de primeiras letras. O correio chega nas terças, quintas, e sabbados, e parte nos dias immediatos ás 8 horas da manhã para Faro, onde só o da quinta e sabbado espera pelas cartas para Lisboa, porque o da terça-feira, que chega a Faro nesse dia pela manhã, volta logo de tarde para Lisboa sem esperar penas malas de E. e O., o que não acontece aos outros dous que se demorão até ao dia seguinte.

Está a cidade de Tavira situada em terreno agradável e ameno, cortada pelo rio Gilaon ou Sequa, hoje Aceca, que a divide em duas partes, com huma bella ponte de cantaria de 7 arcos, que serve para a comunicação entre ambas; boas ruas com algumas casas nobres; bonita praça rectangular á margem direita do rio, aformozeada com os paços do concelho, sobre huma excellente arcada de cantaria, em hum dos ângulos da qual está embutida na pedra a figura da cabeça de hum homem, que dizem ser do ínclito conquistador, em altura gigantesca, como he tradição ter elle, sem que todavia haja fundamento algum para o asseverar. Debaixo desta arcada, e a praça, há todos os dias abundante mercado de caça, fructas, hortaliça, pão, e vários outros comestíveis, e géneros do paiz.

Offerece a cidade a quem entra pelo rio o mais lindo painel: avistão-se de ambos os lados bem cultivadas fazendas de vinhas, e arvoredos, semeados de casaes mui caiados, entre-cortadas de vários regatos que as aguas tem formado; marinhas, moinhos; palhoças de pescadores á margem; segue-se a cidade aquém; e alem da ponte com edifícios bastante branqueados, grandes quintaes verdejando entre elles; no fundo a serra em amfitheatro coberta de alfarrobeiras, oliveiras, e medronheiros que todo o anno conservão a folha, figueiras, amendoeiras e vinhas que a despem, matizando entre ellas as searas e relvas na primavera e verão.
Tem duas freguesias, Santa Maria, mesquita de Mouros, que D. Paio fez converter em igreja christã, sendo a primeira que purificou e consagrou á Virgem: para ella ordenou em testamento fossem transportados seus ossos, como consta terem sido, quando falleceo em Hespanha no convento de Velez, cabeça do mestrado de S. Thiago. Jazem elles junto ao altar mor do lado do evangelho, onde havia huma pequena casa com portal de pedra de lavor antigo, e sobre elle hum padrão com inscripção quase imperceptível, cuja porta mandou abrir em 1724 o doutor João Leal da Gama, então juiz de fora; e fazendo levantar hum tijolo redondo que no meio della apparecia, se descobriu hum pequeno jazigo quadrado, em que estavão os ossos daquelle esforçado varão, mui claros, e incorruptos, que mostravão ser de homem de estatura gigantesca: como quer que estivessem sem caixão, mandou o juiz fazer hum, no qual forão mettidos e encerrados no mesmo logar, onde hoje se conservão. Na parte da epístola está enxerida huma lápida na parede com 7 cruzes avermelhadas, que indicão o sítio em que D. Paio Peres mandou enterrar os esforçados cavalleiros que, sahindo de Cacella para se divertir na caça, atravessarão Tavira, com cujos moradores estavão em trégoas, e se dirijirão ao sitio das Antas, onde inopinadamente forão acommettidos por hum tropel de Mouros, e assassinados depois de crua e brava resistência; erão elles o commendador D. Pedro Pães, Mem do Valle, Damião Vaz, Estêvão Vasques, Valério de Ossa, Álvaro Garcia e o mercador Garcia Rodrigues, que aos outros se unira vindo de Faro, e caro venderão a vida aos inimigos. Á entrada da cappela mor existe outro carneiro, onde estão os ossos do alcaide mor José Félix da Cunha, para o qual se desce por degráos de pedra. O terremoto de 1755 apenas lhe deixou em ser a capella mor, que ainda hoje denota em sua gótica arquitectura a antiguidade a que remonta. O bispo D. Francisco Gomes a mandou reedificar á moderna, sendo ao presente hum templo magnifico, espaçoso e claro com 3 naves. Provia a Ordem de S. Thiago o prior, dous beneficiados curados, e mais 4 simples, dous dos quaes erão nomeados pelo bispo, e pagos pela marra grossa; todos os outros pela commenda, a que pertencião os dízimos por metade, que andava arrendada por 650 mil réis, e outra á mitra e cabido. A freguezia estende-se três léguas para a serra, a qual tem de comprido três e meia, e duas de largo. Principia no sitio da Soalheira, e acaba nos de Valinhos e Sentados.

S. Thiago hé orago da outra freguesia, templo espaçoso, e bem construído, de huma só nave; a capella do Sacramento merece attenção por suas bellas pinturas, e douramento, tudo executado pelo pintor José Ferreira, que alli foi de Lisboa. El-rei D. Afonso III deo este priorado em 1270, estando em Évora, a D. Frei Bartholomeu, seu capellão e medico. Tem 3 beneficiados que recebião congrua dos dízimos. As igrejas das duas freguesias estão próximas huma da outra no lado direito do rio: conviria transferir a de S. Thiago para o outro lado, servindo a igreja do extincto convento de S. Paulo para parochia, e o convento para apozentadoria do parocho, e mais officinas da freguezia.

A cappela do Terceiros do Carmo he hum templo moderno, de excellente gosto, belleza, e elegância, com huma só nave, excellentes pinturas na capella mor, feitas pelo acreditado pintor Rasquinho. A igreja dos mareantes, orago S. Pedro Gonçalves, também he rica, bem ornada e paramentada. Algumas outras igrejas dos conventos de frades, que alli havia, franciscanos, capuchos, gracianos, paulistas, e mariannos, que todos erão pobres, A igreja do convento de S. Francisco he antiga, ainda do tempo dos Claustraes; nella tem a Ordem terceira huma linda capella com boas pinturas, e mármores pretos colhidos no serro do Cavaco, arredores da cidade. Conserva hum de freiras de S. Bernardo de menos máo rendimento, situado fora da cidade no espaçoso rocio chamado Atalaia, em que podem manobrar 3 mil homens; lindo passeio, agradável pela vista de mar, rio, e arvoredos sempre verdejantes, rodeado de casas, quintas, e hortas, á maior parte das quaes dá agua para regar a fonte de St.º. Antoninho.


Brota esta fonte na parte mais alta do rocio, cujo solo hé de rocha coberta de terra marmosa em abundância huns olhos de agua, que até há poucos tempos a esta parte servião para os regadios daquellas hortas tão somente. Esta água, que causava a quem a bebia huma sensação de gosto não commum, não era conhecida ainda assim por medicinal, quando o doutor João Nunes Gago, medico na mesma cidade, começou a fazer della útil applicação; fundado nos resultados, que assim os reagentes, como a evaporação, lhe fizerão conhecer, e que as observações tem confirmado e authorizado.

Nasce esta agua brandamente por entre fendas de huma rocha calcarea; e em qualquer das três principaes fendas hé abundantíssima, sendo a chamada Fontinha de St.º António de quasi huma telha. He constante a quantidade de todas em qualquer tempo ou estação, assim depois de grandes seccas, como depois de aturadas chuvas, o que parece mostrar a profundidade do seu manancial. Há toda a certeza de que estes olhos, cuja agua he muito cristallina, communicão entre si: adverte-se porém que estagnando-se por algumas horas perde a sua diafaneidade. O seu sabor he agradável sobre o picante levissimamente; e os que presumem de paladar exquisito pertendem senti-lo sulfúreo. Os que a bebem arrotão mui escaçamente a ovos chocos. Será isto effeito de imaginação, pois que nasce com gráo de calor superior ao da atmosfera, e por isso somente se creia que he sulfúrea? A analyse parece provar esta suspeita.

Em qualquer estação, ou temperatura da atmosfera, eleva o thermometro de Fahrenheit a 78º, ou o de Reaumur a 20; e apenas faz alguma pequeníssima variação para mais ou menos, segundo a atmosfera está mais calorosa ou mais fria; sendo, como he ordinário, a sensação pelo tacto então quasi na razão inversa.


A analyse pelos reagentes e pela evaporação nada mostra de enxofre, porém, manifesta grande abundância de gaz carbónico; e por consequência terra calcarea e silicia muito dividida; muriatos de soda, e calcareos em pequenas porções; e por estes princípios tem produzido os effeitos das aguas gazozas e salinas, principalmente das primeiras.

Tem a cidade hum hospital criado no anno de 1442 pela confraria de St.ª. Maria, a cujo requerimento el-rei D, Affonso V concedeo privilégios para que fossem escusos dos cargos do concelho e fintas o mordomo della, e o que cuidasse das colmeias que possuía na serra, por carta de 16 de Fevereiro de 1450, na qual se diz que o hospital fora instituído havia 8 annos. Em 3 de Janeiro de 1480 foi permittido a este hospital, já denominado do St.º Espírito, poder ter de renda até 100.000 réis. Na mesma data se permittirão a seus mamposteiros os privilégios dos que pedião para a redempção dos captivos; e bem assim que os dous officiaes eleitos pela câmara fizessem as cobranças com o privilégios dos almoxarifes. Por outra carta de 10 de Fevereiro de 1487 lhe foi dada a faculdade para que os confrades elegessem juiz que executasse os seus rendeiros. A câmara de Tavira accrescentou meia légua de matos na malhada da serra por escriptura de doação que lhe fez em 13 de Janeiro de 1499. Em consideração a que alli acudia muita gente das nossas possessões em África para ser tratada em suas moléstias, lhe concedeo el-rei D. Manoel mercê de 1% de todo o rendimento do almoxarifado e alfandega da mesma cidade por alvará de 29 de Março de 1508, por cujo rendimento se lhe deo 25.300 réis por provisão de 22 de Agosto de 1511; e D. João III lhe confirmou ainda vários privilégios por alvará de 28 de Agosto de 1530.

Algumas pessoas augmentárão as rendas deste pio estabelecimento com legados, vendo que ellas erão bem aproveitadas; e alli concorrião muitos enfermos de varias partes do reino. Por escriptura de 28 de Agosto de 1727 adicionou João de Mendonça Corte Real, sendo governador da praça, huma capella, que instituio de todos os seus bens alodiaes, com a renda de 298.750 réis em foros, e 329.960 em juros, para que alli fossem admitidos todos os annos no mez de Maio quaesquer enfermos de moléstias venéreas; deixando de haver cura de 10 em 10 annos, e applicando-se a despesa, que nesse anno se deveria fazer, para renovação de roupas, e utensílios: que outro sim fossem alli criados e mantidos 10 expostos, pelo menos, até á idade de 7 annos, a mil réis cada hum por mez e 3000 por anno para vestiaria, que se dessem annualmente 4 dotes de 30.000 réis cada hum a quatro raparigas, sendo preferidas as naturais de Tavira, e entre estas as de melhor cara, pelo perigo que correm, engeitadas, ou órfãs não havendo engeitadas; e outras despesas com a capella do Loreto, e administração, que deveria ser feita por certos eleitos, sendo as contas separadas das do hospital. Por seu testamento ainda lhe ajuntou o remanescente do que sobejar do seu funeral, a que applica o producto dos bens moveis e semoventes que se encontrarem por sua morte. Esta renda diminuio muito com a reducção dos foros, mas ainda se preenche a vontade do instituidor. Jazem os ossos deste homem virtuoso na capella do loreto, sita na praça, que fundou nas casas da sua morada.

Hoje he somente conhecido pelo nome de hospital de S. José; tem de rendimento mais de três contos de réis, com que são tratados effectivamente mais de 40 enfermos, ainda que tem tido algumas fazes de má administração. O acanhado edifício, em que está collocado, carece de reparos; e seria muito de desejar que fosse transferido para o extincto convento dos Mariannos, o qual he mais próprio para este filantrópico estabelecimento; tem boas accommodações, correnteza de ar, com janellas para E. e S. He verdade que lhe falta agua para beber, mas isso poderia supprir-se com huma cisterna, ou por carretos da fonte, o que não seria muito dispendioso, visto que para os demais usos tem em abundância na cerca. Cumpre aos confrades fazer esta requisição, e esmerar-se com zello no melhoramento de huma obra tão piedosa, e que tanta honra faz ás virtudes e filanthropia dos habitantes de Tavira.


Casa de Misericórdia, que teve princípio em huma capella do convento de S. Francisco, sendo ainda dos Claustraes, passou depois para o logar em que hoje está a igreja, que se começou a fazer em 1541, dando-lhe el-rei D. Manoel compromisso, á maneira do de Lisboa, em 15 de Novembro de 1516, tendo então de renda 560.050 réis. Manoel Nobre Canelas lhe deixou varias rendas no anno de 1689 por seu testamento, com a pensão de huma missa nos domingos e dias santos pelas 11 para as 12 horas, e 4 dotes de 30.000 réis a parentas suas, e órfãs; e separando a terça parte dos foros de trigo que manda se dê aos pobres em pão amassado. Chama-se-lhe Obra Pia; os rendimentos diminuirão muito com a reducção dos foros. Ao presente tem de renda perto de hum cento de réis.

Abundância de excellente água em hum chafariz chamado A Fonte, perto da ponte á margem direita do rio, com 5 bicas para o serviço público, e tanque para dar de beber aos animaes; quatro das bicas são providas d’água, que vêm, por hum antigo e bem conservado aqueducto, de hum nascente no serro de Santa Maria, junto á igreja; a outra he alli mesmo nascida. Do tanque vão os sobejos por outro, para o mesmo rio, onde há outra bica de cantaria, da qual se servem as embarcações para fazer aguada. Nesta parte da cidade há vários nascentes e poços d’água de boa qualidade, e junto á fonte banhos della tépida, cuja temperatura não excede (se chega) a 78º de Fahrenheit, ou 20 e meio de Reaumur. Contêm declarada pelos reagentes alguma porção de carbonato calcário, e consequentemente a quantidade proporcionada do próprio gaz que he visível nella. Até ao presente ninguém se lembrou de applicar estes banhos senão como frescos, e jamais como de agua mineral. Do Alto do Malforo, no sítio do poiol, baixa outro antigo aqueducto, que passa junto aos arcos da praça com bastante agua, e vai desaguar no rio, tão baixo que não se descobre por causa das terras com que tem sido entulhado. Do outro lado da ponto só há poços de agua salobra.

O seu terreno, grande parte na serra, porduz muito vinho, que alli se manipula melhor que nas outras terras do Algarve, e aproveitão o bagaço para destilar, vendendo-se por isso de 300 a 400 réis, por carga. Abunda em azeite que poderia ser melhor fabricado. A azeitona he quase maçanilha; apanha-se do chão, quando tem cahido com os ventos ou chuvas; a maior parte não leva sal, e (???) por isso com muita facilidade nas tulhas, e se cobre de bolor, de sorte que quando vai para o lagar desfaz-se toda em polme que escôa pelas capachas juntamente com o azeite, o qual vem assim a ter muitas fezes. Além disto, não se deixa cozer bem o azeite; porque os lagareiros o que pertendem he fazer muitas moendas, ou meias, para fazerem mais uns lucros. Entre tanto também se faz algum bom, quando o anno he secco, e a azeitona se colhe sadia. Em todo o concelho contão-se 27 lagares, em alguns dos quaes tem só prensas, quasi todos os demais duas varas, hum três, e outro huma, e huma prensa. Nos annos de boa producção pode calcular-se o azeite fabricado nesses em mais de 140 mil alqueires. Os concelhos de Faro e Olhão consomem daqui muito azeite, assim como a maior parte do Além-Tejo Baixo, para onde os almocreves o transportão trazendo trigo em retorno. Não pouco se exporta por mar, e desde o anno de 1836, se faz delle grande exportação por este porto e o de Olhão para Gibraltar, que não o recebia então da Itália. O seu preço anda de 1600 a 2200 réis por almude. Bem importa aos proprietários dos olivaes e lagares melhorar a fabricação deste importante artigo; cuidando mais no apanho e conservação da azeitona, na sua accommodação nas tulhas, salga, pressão e cozimento: o terreno, mesmo na serra, he próprio para as oliveiras; podem fabricar azeite tão bom como o melhor do Além-Tejo; o seu interesse deve estimulá-los a que se dem com esmero a este ramo de cultura que tão vantajoso lhes he.

Boa e muita alfarroba, que se exporta em grande quantidade para Gibraltar, e portos do reino: alli vêm comprá-la embarcações da Catalunha e Sardenha, e tem subido de 200 a 800 e mil réis o saco. Também se vende amêndoa, fico, rezinas, excellente cana, cujos feixes, sendo de padrão, que se exporta para Inglaterra, Hollanda, e Bélgica, constão de 60, e vende-se por 600 e 1200 réis. Grã de carrasco, ou Kermes, que tendo sido tão requestada dos Carthagineses e Romanos para as suas tinturarias, he por nós tida em desprezo, e só aproveitada pelos estrangeiros, que a comprão por alto preço em Gibraltar, para onde só he exportada; e d’alli para Marselha, e Génova. Em Tavira vale ella bom preço, como fica dicto, e hoje he bastante procurada; só hum negociante empregou nella mais de 12 contos de réis no anno de 1835.

Também se exporta daqui para Gibraltar muita lenha. Faz-se bastante aguardente de figo, alfarroba, e medronhos, que vêm da serra, assim como cera, mel e rezinas. Nas obras de palma se empregão as mulheres, e da pita só fazem baraços, e obras grosseiras. Faltão-lhe cereaes, que importa do Além-Tejo, apezar de estarem menos mal aproveitados os campos das freguezias visinhas, e as várzeas dos Peões na margem esquerda da Aceca, nas quaes crescem boas searas, e tem excellentes quintas e pomares de laranja, famosa no tamanho, pouco doce porém. Crescem também aqui e na margem direita do rio grandes, e primorosas romãs e marmellos, que por sua particular bondade se exportão.


A cultura das terras não está desprezada, mas também não chega á parte do O. Do Algarve. As melhores apropriarão a si os nossos reis, como fica dicto; depois constituirão emprazamentos regulares nos bens do sítio da ribeira da Aceca, com o foro de quotas de fructos, oitavos, quintos, e quartos nos do sítio das Pedras de El-rei, Arroio, e Stª. Luzia; e nos moinhos da ribeira da Aceca constituirão prazos com foro de metade de seu rendimento, assim como constituirão emprazamentos regulares com o foro de libras antigas nos bens do sítio do Tojo, que repartirão por 10 homens bons a 100 libras cada hum. Destes bens antes emprazados, e dos direitos de duas hortas no sítio da Atalaia e Belafria, do relego e seus direitos, da adega com toda a sua lonça fez el-rei D. João I doação de juro e herdade a Fernando Alvares Pereira, doação que continuou até á última donatária D. Catharina Constantina de Bercedo, que fallecendo sem descendência deixou vagas para a coroa estes bens que formavão reguengo. A rainha D. Maria I fez doação deste reguengo ás religiosas do convento do SS. Coração de Jezus por carta de 13 de Janeiro de 1781, mandando proceder ao tombo, e dando-lhe depois foral próprio por alvará do 1º de Junho de 1787, com o qual se fez considerável vexame aos moradores da cidade e freguezias visinhas, do que vierão a ficar libertados pela providência do decreto de 14 de Agosto de 1832. El-rei D. João I querendo reduzir a cultura e povoação a serra de Tavira, inculta, e occupada de matos e arbustos silvestres, a concedeo de sesmaria aos povos adjacentes para que a rompessem, cultivassem e povoassem; mas não produzindo os effeitos desejados, a mandou devassar a todos que a quizessem romper e povoar. Esta mesma providência foi inútil, até que el-rei D. Manoel a fez julgar pertencente á câmara de Tavira por sentença proferida em Lisboa no anno de 1592. Foi a mesma câmara concedendo terrenos para lavrar e edificar, impondo aos pertendentes o encargo de pegarem hum alqueire por cada 15 de trigo, milho ou centeio que recolhessem. Assim foi crescendo o número dos povoadores na extensão de muitas léguas de serra, em tal forma que foi preciso dividir em 8 freguezias compostas de mais de 1200 fogos a parte que estava cultivada e povoada. Neste estado se conservava quando a Câmara, com manifesta lesão dos interesses comums fez huma amplíssima doação da serra ao capitão mor Manoel Godinho de Castella Branco em 1646, sem outro encargo mais que o de pagar 20 mil réis annuaes de pensão á mesma câmara, doação que ob e subrepticiamente foi confirmada por el-rei D. João IV. A requerimento destes povos, atormentados pelos vexames do novo donatário Manoel Vaz-Velho, annullou el-rei D. José por alvará de 18 de Março de 1772 aquella doação, e alvará de confirmação, mandando que a cada hum dos moradores no domínio e posse dos prédios por elles habitados e cultivados, como próprios, sem pensão ou encargo algum. Começarão desde então estes povos a respirar, passando de simples colonos, que até alli erão, a perfeitos proprietários, e a cultura foi levada a tal incremento que ao presente está em grande parte povoada de vinhas, figueiras, oliveiras, amendoeiras e alfarrabeiras; não tanto porém como podia ser, se aproveitassem por meio da enxertia a grande quantidade de zambujeiros e chaparreiros que alli se encontram, cuidando os seus habitantes em povoar mais destas arvores as encostas, e ainda mesmo de nogueiras e pinheiros as cumeadas, onde aquelas não vegetão, com as quaes colherião mais vantagens, de que não seria a menor a abundância de chuvas, que pelas árvores virião a ser attrahidas.

Tem muita pedra calcarea, de que se faz muita e excellente cal; bella cantaria; mármores pretos no serro do Cavado, que são próximos do rio da Aceca; e no sítio dos Fortes, daquelles não se podem tirar pedaços maiores de 3 palmos. Acha-se aqui também outra espécie de mármore, que depôs de polido presenta huma face que tira para cós de ouro, e a outra oposta figura de madre pérola. Huns cinzentos e outros manchados de encarnado com veios de outras cores se colhem no sítio de St.ª Margarida. No da Senhora da Saúde, meia légua N. da cidade, há pedras de amolar, de cor arroxadas, de que se fazem rebolos, e próximo á ribeira do Almargem, nos matos do Espírito Santo, se encontra excellente pedra preta, da qual se usa com preferência para mós de moinho, que se exportão para Mértola, e outros pontos do reino, e de Hespanha.


As suas pescarias forão de grande monta não só em sardinha, para a qual contava 70 cércios, mas também em atum, e vários outros peixes. Progressivamente foi diminuindo de sorte que em 1790 havia 8 artes para a sardinha, 15 lanchas para as outras pescarias no rio e costa próxima, e 37 para as do mar alto com 466 pescadores. Hoje há 10 artes, 6 (???), 8 lanchas ou botes de pesca, e 20 cahiques de coberta, ou viageiros, poucos dos quaes vão á pesca de Laraxe, occupando-se mais no commercio dos géneros do paiz para Lisboa, Cadiz e Gibraltar, e abandonando as pescarias a ponto de ser a cidade supprida de peixe vindo da Fuzeta: o atum, e a sardinha tem escaceado nestes últimos annos, com o que tem hido a menos os lucros, que de tão importante ramo lhe provinhão outr’ora. As imposições municipaes, lançadas ao presente, diminuem os benefícios do decreto que alliviou as pescarias; neste concelho pagão ellas 7% de consumo. Desde tempos mui remotos se reunirão os mareantes desta cidade para se soccorrerem mutuamente; estabelecerão o hospital do Corpo Santo com huma confraria, á qual foi concedido por carta de 10 de Fevereiro de 1497, o privilégios de eleger d’entre si cada anno hum juiz para conhecer de quaesquer cousas que os confrades ordenassem, e faze-las dar á excepção, o qual tomava juramento na câmara. Em 28 (?) de Setembro de 1783 vierão a formar o seu Compromisso de 22 capítulos que foi confirmado por previsão do desembargo do paço de 15 de Abril de 1793, pois que o antigo se havia desencaminhado sem que delle apparecesse original, nem copia.

O porto admittia navios de alto bordo; o commercio era florescente, e avantajado, só para elle havia mais de 70 embarcações de alto bordo; hoje em dia apenas tem oito palmos de agua na baixamar. As providencias requeridas e outhorgadas a seu favor mostrão a sua importância, e concorrência dos estrangeiros. Nas Cortes de Lisboa de 1445 requerêrão os procuradores de Tavira que nos mezes da carregação da fructa não podesse navio algum carregar de sal, porque isso fazia que não (???) para fora a fructa, que era muita, o que lhe foi concedido por carta de 23 de Março de 14467, ordenando el-rei que desde o 1º de Setembro até ao 1º de Dezembro nenhum navio tomasse carga de sal, nem de (???) em qualquer porto deste treino. A seu requerimento e dos povos de Faro e Loulé concedeu el-rei D. Affonso V, em 1455, e participou ao corregedor do Algarve, Álvaro Mendes por carta ditada em Setúbal a 5 de Julho do mesmo anno, que se podesse dar seguro a quaesquer navios, assim bretões, se francezes, alemães, biscainhos, gallegos, e outros que de outras partes quizessem vir ao Algarve carregar fructas, vinhos, e outras quaesquer mercadorias, para que nellas, nem nas suas pessoas se fizessem represálias de alguns roubos, ou attentados, que alguns dessas nações tivessem feito aos Portuguezes; com tanto que não fossem os mesmos authores desses roubos. Por provisão de 31 de Maio de 1618 se permitte aos moradores de Tavira que possão hir resgatar ao Cabo de Guer mas dentro da fortaleza de St.ª. Cruz, as suas fructas e azeites, podendo trazer em troco só escravos e escravas, e nenhumas outras mercadorias. El-rei D. Henrique lhes deo permissão por carta de 10 de Julho de 1579 para que podesse, mandar de 3 em 3 annos hum navio a S. Thomé, ou Cabo Verde para trazer escravos para a cidade, vindo primeiro a Lisboa tomar despacho. Tanto florescia o commercio nesta terra que em 1491 lhe foi concedida huma feira de 10 dias, começada no 1º de Setembro, para a qual nas Cortes de Évora pedirão os procuradores João Boliciro e Marcos Affonso o privilégio de seguro para quaesquer mercadores homiziados por dívidas, que não fossem a el-rei, que a ella viessem com mercadorias, não poderem ser presos em quanto durasse; e se vendessem pannos a retalho, o que el-rei lhes outhorgou, dando-lhe ainda maiores isenções D. João III quando a prorogou por carta de 10 de Março de 1559. El-rei D. Henrique a ampliou pelos três mezes de Setembro, Outubro e Novembro em carta de 10 de Julho de 1679, e assim durou prorogada sempre até que D. João IV, por sua carta de 8 de Maio de 1647 confirmou a continuação della por mais 4 annos em alienação á prisão e damnos que soffrerão os moradores com o contágio que alli houve. Este contágio, em verdade, poz em consternação todo o Algarve, e mui particularmente esta cidade, onde durou 13 mezes, havendo principiado a desenvolver-se em 1645. O author da Política Moral e Civil eleva a mortandade nestes arredores a 40 mil pessoas, no que parece, de certo, exxagerado.

Por alvará de 31 de Maio de 1776 ainda el-rei D. José mandou estabelecer alli huma fabrica de tapeçarias de lã e seda, para a qual deo 4 contos de réis a Pedro Leonardo Mergoux, e Theotonio Pedro Heitos, os quaes começarão a trabalhar, e executarão obras primorosas, e de gosto delicado, taes se conservão ainda hoje em dia algumas na arrecadação do real thesouro dos palácios de nossos reis, como huns pannos de raz que representão José no Egypto: não medrou porém este estabelecimento que em breve se anniquilou. A cidade tem hido cada vez em maior decadência, e pouco se pode esperar que ella melhore, e se renovem os dias de sua passada gloria e esplendor, ainda quando algumas obras se tentassem no rio, com as quaes tornasse a abrir a antiga barra. No seu termo não deixão de haver artigos de importância que são procurados, e tem valor no commercio, como fica dicto: cuidem os habitantes no seu aproveitamento, e recolherão não pequenos benefícios.


Dentro do rio, e ¼ de légua abaixo da cidade para a parte de O. fica a povoação de St.ª Luzia, composta de 40 a 50 cabanas de junco, cujos pobres moradores se empregão na pesca com pequenas lanchas, e no apanho da murraça, que vão vender á cidade

A freguesia de St.ª Maria confina com a da Conceição a E., com os cateiros a S., com a de S. Thiago, St.ª Catharina e St.º Estêvão na serra a O., Vaqueiros e Cachopo a N. A de S. Thiago confina com a de St.ª Maria na cidade, e com a ribeira da Aceca no campo a N., com os cateiros a E. e S. e com as da Luz e St.º Estêvão a O."





Conhece tudo de algo e algo de tudo.

Certas dificuldades

Caros leitores,

Ando com certas dificuldades em conseguir copiar para aqui a transcrição que fiz sobre a entrada "Concelho de Tavira" presente na Corografia de 1841.

Ao longo do dia de hoje vou tentar colocar essa (longa) entrada no blog.

Peço a vossa compreensão para a falta de dinamização deste espaço, apesar de não ser por falta de trabalho meu que ele não avança - só que estive doente e agora não consigo copiar o que escrevi em Word para aqui...

Conhece tudo de algo e algo de tudo.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Memória sobre as colónias de Portugal situadas na costa ocidental d’África,

Memória sobre as colónias de Portugal situadas na costa ocidental d’África, António de Saldanha da Gama, 1814, impresso em 1839 em Paris.




1) Cabo Verde e suas ilhas



     O tráfico de escravos já há muito que terminou, pelo que a prosperidade da colónia não se deveria ressentir por este facto. No entanto, diz-nos António Gama que não se convence que não haja nada a fazer para aumentar e melhorar a colónia, visto o seu estado não ser o que deveria graças aos recursos naturais que possui.

     O único objectivo que parece existir é a colheita e venda da urzela; no entanto, em vez de aumentar e melhorar a colónia, como deveria, contribui para a sua diminuição, bem como para a humilhação dos naturais de Cabo Verde – isto traduz-se num “estado lastimoso e abatido da colónia”.

     António Gama explica o porquê disto. A fazenda real, através dos capitães-mores dos distritos, compra a urzela por um preço fixo; e aqueles exercem o seu poder enganando em quanto podem os vendedores: medem este produto com a sua escala e não com as dos vendedores; não pagam em dinheiro mas em géneros prepara, causando por vezes danos e prejuízos na ordem dos 100% a quem vende; recusando parte do pagamento com a desculpa que a urzela não está devidamente limpa, ou que está misturada com outras matérias, não sendo pura.

     Propõe António Gama que a venda da urzela seja livre, em vez de ter estanco real, e ter apenas um pequeno e simbólico tributo de exportação, já que na sua óptica é esta a única maneira de ela poder competir no mercado europeu com outras descobertas “que produzem a mesma cor, inda que inferior em qualidade, mas que sam preferidos em razão da sua barateza”.

     Segundo António Gama, há dois ramos que deveriam ser mais explorados:

          1 – Cultura das plantas e árvores que são conhecidas pela abundância e excelência dos seus óleos: mandohí, gerzeli e a palmeira de Dendé, por exemplo. Tanto a palmeira como as plantas mencionadas produzem 3 espécies diferentes de azeite, de grande qualidade, e que podem ser aplicados não apenas para usos culinários mas também para o fabrico do sabão (que seria de fácil promoção num país com tanta abundância de matéria alcalina;

          2 – Pescas e salgas de peixe: as ilhas possuem sal muito bom e em muita quantidade, bem como estão os mares em seu redor povoados de muitos peixes. É importante notar uma certa crítica que o autor faz ao facto de, independentemente de Portugal ser um grande consumidor de peixe, não fomentar esta actividade e deixar-se depender dos estrangeiros. O autor refere os casos da Inglaterra, França e Holanda porque estas potências fomentam a pesca, “porque os pescadores sam a escola e o viveiro dos marinheiros”; já Portugal, que em grande parte se sustenta de peixe salgado, cujo território é uma grande costa, e cujas colónias oferecem tantas oportunidades de fomentar a pesca, deixa este ramo abandonado.

     Diz-nos ainda que estas ilhas produzem quase todas as frutas dos trópicos, bem como cana-de-açúcar e café.

     Possui uma manufactura de tecidos grosseiros de algodão, artigo de comércio para os presídios de Bissau e Cacheu, sendo por isso também útil promover e aperfeiçoar tal manufactura.



2) Bissau e Cacheu



     Nestas zonas abundam gomas (como por exemplo a arábica), resinas, marfim e madeiras, entre outros produtos que as poderiam tornar ricas.

     As terras são próprias para a cultura do arroz, trabalho que é feito com gosto pelos habitantes. Pergunta-se António Gama por que razão não poderão ser estas terras a fornecer Portugal deste produto, visto geograficamente estarem mais próximas do Continente.

     Quanto ao ramo das pescas, estas poderiam ser promovidas, bem como a salga e a extracção do azeite de peixe.

     Florescem os vegetais dos quais se retiram óleos como o de rícino, mandobi e palmeira de Dendé.

     Conhecem-se pouco as madeiras de África; as árvores presentes são pequenas e sólidas e muito coloridas, o que as torna próprias para trabalhos de marcenaria e embutido.

     António Gama diz pensar ser possível a prosperidade dos aromas da Ásia em Bissau e Cacheu, e que também a pimenta, cultivada na Bahia, poder-se-ia nestas áreas aclimatar-se.



3) São Tomé e Príncipe



     Encontra-se em grande estado de decadência, sendo impossível a qualquer observador reconhecer nesta colónia o que é descrito pelos historiadores.

“Quando não há uma attenção assídua e cuidadosa sobre objectos d’esta natureza [mapas estatísticos que possam comprovar as tendências de decadência ou progresso da colónia], governa-se ás cegas, e entrega-se ao acaso, muitas vezes avesso, a sorte do povo e do estado.”

     Anteriormente, esta colónia floresceu e produziu muita cana-de-açúcar, muitos engenhos, era muito povoada; porém, na altura em que o autor escreve, está arruinada, quase despovoada e tem fama de ter um clima muito difícil.

     Devido ao decréscimo da agricultura, cresceram arvoredos, cerraram-se matas, voltaram a formar-se pântanos, e a atmosfera corrompeu-se por causa de decomposições de detritos vegetais e animais; tudo isto tornou a ilha doentia.

     Segundo o autor, isto pode estar ligado ao florescimento do Brasil, que passou a ocupar em grande parte a atenção do governo e da nação por ser tão fértil e rico.

     Refere António Gama que a aguardente poderia ser mais vantajosamente produzida, visto ter uma venda segura nos portos vizinhos da costa de África, para além de exigir menos despesas de trabalho e de fabrico que o açúcar.

     São Tomé e Príncipe produz ainda café de excelente qualidade (“(…) que rivalisa em seu aroma e sua superioridade com o tão afamado de Moka(…)”).

     É ali preparado ainda uma espécie de sabão, próprio para lavagem de renda e objectos delicados; quando misturado com algum aroma, poderia competir com o de Nápoles, vendido na Europa a um preço elevado. Tendo uma consistência mole (própria para transporte em pequenos barris), poder-se-ia dar-lhe uma consistência mais sólida para o seu transporte ser mais fácil e económico.

     Tal como em relação à urzela, o estanco do sabão deveria ser abolido, já que é demasiadamente pesado para o povo. Isto provoca obstruções ao asseio e limpeza, “que também sam meios e critérios de civilização, e que tem uma benéfica influência sobre a saúde pública.”

     O último bispo a estar presente na ilha produziu vinha, que deu vinho de boa qualidade; posteriormente, esta cultura foi interdita, embora António Gama seja da opinião de que deveria voltar a ser permitida.

     Propõe ainda a introdução de certas especiarias e cacau nas produções da ilha.



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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Castro Marim na Corografia de 1841 - 2ª parte: Azinhal e Odeleite

Concelho de Castro Marim na “Corografia, ou memória económica, estadística e topográfica do Reino do Algarve”, de João Baptista da Silva Lopes, 1841



2) Azinhal e Odeleite

O Azinhal é uma aldeia grande, situada sobre um monte; esta freguesia confina com Castro Marim a Sul, Cacela a Oeste, Guadiana a Este e Odeleite a Norte.

A sua igreja está fora da aldeia, para Este. A freguesia tem 2 léguas de serra e produz muito trigo, ervas medicinais como a centaura menor, e cria animais como porcos monteses, raposas, lobos, gado vacum, lanígero e caça miúda.

É no serro da Água dos Fuzos que nasce a Ribeira do Beliche, que vai regando e fertilizando serras e campinas, até desembocar no Guadiana. No sítio onde desemboca, “à distância de hum tiro de espingarda” de largura, há uma lancha que dá passagem para Espanha. Pouco antes da foz desta ribeira, há uma ponte que deveria ser restaurada. Nas suas margens, cultivam-se vinhas e terras de pão. Para além disso, como lá chega a água salgada, cria-se Erva do Sapal, usada contra as cezões.

Desta aldeia sai um caminho que vai directo ao sítio chamado Porto do Azinhal, no Guadiana. É aqui que se atravessa, através de barco, para a Ribeira da Estacada, em Espanha.

Quanto a Odeleite, situa-se esta aldeia entre 4 serros junto à ribeira de Odeleite, nascida nos Vales de Maria Dias, na freguesia de Salir. Esta ribeira desagua no Guadiana, a meia légua para Este da aldeia, e ao longo do seu percurso, por onde rega algumas terras, existem alguns moinhos. Diz-nos João Baptista da Silva Lopes que “carecia de huma ou mais pontes visto cortar a estrada de communicação com Alcoitim”.

Junto ao sítio da Pernada, recebe a ribeira da Foupana, nascida em Vale da Grua (Faro), e recebe vários outros ribeiros.

Quanto a água para beber, os moradores de Odeleite não têm se não as do poço do Açador e da Foz na margem do Guadiana.

Nas margens de ambas as ribeiras (Odeleite e Foupana) há boas terras de pão e vinhas.

A sua feira é a 29 de Junho e dura apenas um dia, tendo por visitantes muitos espanhóis.

A sua igreja tem três naves; quanto à capela-mor e às colaterais, elas devem-se ao zelo do prior José Martins Faleiro, que legou todos os seus bens para esta obra, com apenas uma condição: que a obra fosse feita à semelhança da igreja do Espírito Santo, no termo de Mértola.

Quanto às dimensões da freguesia, são as seguintes: três léguas de comprimento (desde o Guadiana até Altamor) e uma de largura, desde a ribeira da Foupana (fronteira com o concelho de Alcoutim) até ao sítio da Portela Alta.

Confina esta freguesia com a de Alcoutim e Pereiro a Norte, o Guadiana a Este, Azinhal, Conceição e Santa Maria de Tavira a Sul e Vaqueiros a Oeste.




Conhece tudo de algo e algo de tudo.

Concelho de Castro Marim na corografia de 1841 (1ª parte - Castro Marim)

Concelho de Castro Marim na “Corografia, ou memória económica, estadística e topográfica do Reino do Algarve”, de João Baptista da Silva Lopes, 1841


1) Castro Marim


É pequeno em extensão, mas tem menos terras más, principalmente nas margens das ribeiras.

Confina a Sul com o concelho de Vila Real de Santo António, a Oeste com o de Tavira, com Alcoutim a Norte e com o Rio Guadiana a Este.

É uma antiga vila a légua e meia de Vila Real de Santo António e esteve encerrada no castelo que ainda hoje existe e que foi a cabeça da Ordem de Cristo desde que esta se estabeleceu em Portugal em 1313.

Foi doada a esta ordem por D. Dinis em 14 de Maio de 1320 e o foral foi-lhe concedido por D. Afonso III em 1277. Tinha votos em cortes e assento no banco 12 [notar que este ponto vai ao encontro da Corografia de 1712].

Em 1288 convencionou-se (entre Pedro Pires, almoxarife de Castro Marim e Tavira, outros homens-bons e homens de Ayamonte) que em nenhuma destas povoações (Castro Marim e Ayamonte) se poria entraves aos direitos das barcas e baixéis que viessem de qualquer ponto de algum dos dois reinos, quer estivessem carregados ou descarregados.

A 10 de Abril de 1421, foi dado por D. João I couto a 40 homiziados (desde que não fossem criminosos de traição, aleive, moedeiros falsos, hereges ou sodomitas) para que a população de Castro Marim pudesse aumentar. Esta medida foi confirmada por D. João II em 1485 e por D. Manuel em 1497.

Em 1453, D. Afonso V assina o regimento dado a Manoel Pessanha sobre o que as chavegas que ali fossem pescar deviam pagar.

Em 1580, foi nesta vila publicado por 3 governadores nomeados por D. Henrique a sentença que tinham já assinado em Ayamonte. Nesta sentença se adjudica a coroa de Portugal a Filipe II (I de Espanha).

Dentro do castelo de Castro Marim situava-se a Igreja Matriz, destruída pelo terramoto. Este castelo, no cimo de um monte ao redor do qual se situa a população, contém ainda quartéis, nos quais estava aquartelado o batalhão de caçadores 4 em 1886. Estes quartéis podiam servir para a companhia de veteranos que então, por utilidade pública, aqui se encontrava.

Tem uma estrada coberta que comunica com o forte de S. Sebastião, que está bem artilhado.

Ayamonte fica a distância tão pouca que está ao alcance dos tiros do Castelo, bem como do Forte. De tal maneira isto é verdade que estes edifícios sofrem danos com a guerra de 1801.

O juiz de fora de Castro Marim é o mesmo de Vila Real de Santo António, ainda que os conselhos sejam separados e com câmaras diferentes.

A freguesia, que pertence a São Tiago, tem a sua sede na Igreja de Nossa Senhora dos Mártires, aumentada por D. Francisco Gomes, Bispo do Algarve. Tem esta freguesia elevados rendimentos, oferecidos sobretudo pelo povo a 15 de Agosto, dia da festa da Senhora dos Mártires e também dia da feira de Castro Marim.

Os terrenos de Castro Marim produzem trigo, legumes, azeite, frutas (de caroço e pevides), laranja e limão. Na zona da ribeira do Beliche há também “guapas terras de pão”. Tem salinas de muito boa qualidade e que fornece sal que se exporta sobretudo para as pescarias de laraxe. Exportam-se também obras de palma e rendas de linha.

Quanto à comenda, consistia em terrenos doces e foram arrendados em 1831 por 382.000 réis cativos de décima e despesas; à alcaidaria mor correspondiam os terrenos salgados, arrendados no mesmo ano por 465.980 réis cativos de décima e despesas.

Tem pouca actividade piscatória: os marítimos matriculados são 229, e os pescadores pescam à linha e com gorazeiras, afastando-se pouco da costa. Tem 16 cabiques e lanchas para pescaria. Pescam-se pescadas, besugos, safios, peixe-prego e outros, que se vendem aos espanhóis ou que são consumidos em terra. Quanto aos barcos viageiros, exportam alguns géneros para Mértola ou Gibraltar, não sendo da sua competência a pesca no Guadiana.

Atente-se na seguinte descrição:

“No dia do terramoto levantou-se hum vento muito fresco e frio ás 9 horas da manhã; sobreveio logo um ruído da parte de Tavira, como trovões surdos, e seguio-se tremer a terra. O arrabalde do Norte apenas soffreo a deslocação de algumas pedras que ornavão a porta da villa; a parte fronteira a Hespanha, e a do mar, ficou raza; a rua da ribeira toda por terra; na igreja matriz, antes dos Templários, no mais alto da villa, não ficou pedra sobre pedra; os armazéns e quartéis todos forão arrazados; e as peças, que estavão nas baterias, sumirão-se nas rachaduras; a igreja de N. Sr.ª dos Martyres ficou ilesa: morrerão só três pessoas”.

D. Francisco de Melo da Cunha Mendonça e Menezes, monteiro mor do reino, torna-se Conde de Castro Marim por decreto de 14 de Novembro de 1802.






Conhece tudo de algo e algo de tudo.

Concelho de Vila Real de Santo António (1841)

Concelho de Vila Real de Santo António na “Corografia, ou memória económica, estadística e topográfica do Reino do Algarve”, de João Baptista da Silva Lopes, 1841




A seguinte informação foi retirada da corografia indicada. É importante notar uma certa crítica por parte de João Baptista da Silva Lopes em relação ao local onde foi esta cidade implantada, não se coibindo de dizer a sua opinião e criticar a acção de “teóricos de gabinete que estragam tudo em quanto põem mão”.

     O concelho confina com o de Castro Marim a Norte, o de Tavira (a Oeste), com o mar a Sul e o Rio Guadiana a Este. Os seus terrenos são arenosos e de pouca produção de cereais; são no entanto férteis para culturas hortícolas e para frutos como a laranja e a maçã. Produzem-se ainda uvas para excelentes vinhos. Quanto à água, apesar de proveniente de poços, é de excelente qualidade e abundante: “basta fazer uma cova na areia, de 4 a 5 palmos de profundidade, para a encontrar” (pg. 385, ou 365 – é um pouco ilegível o indicador das dezenas).

     A nova vila, Vila Real de Santo António de Arenilha foi fundada por D. José, através de Sebastião José de Carvalho e Melo, e edificada em apenas 5 meses. Obrigou a grande despesa pública e particular, tendo estes últimos (particulares) sido “convidados” (leia-se obrigados) a construírem suas casas aí.

     É de construção com ruas largas e ângulos rectos. Tem uma boa praça com obelisco de mármore, uma igreja moderna de uma só nave e Paços do Concelho. A foz do Guadiana situa-se a um quarto de légua a norte, já que o limite da vila é o pelourinho. Mostra isto que o projecto inicial de edificação não foi concluído, já que o dito monumento dever-se-ia situar no centro da vila. A distância de Vila Real de Santo António a Ayamonte é de “hum tiro de bala”.

     É esta vila defendida pelo forte e bateria da Ponta da Areia.



     A edificação desta vila veio arruinar a famosa pesca da sardinha em Monte Gordo entre outros motivos porque vai obrigar os pescadores a venderem em lota a sardinha pescada na costa.

     Isso vai levar a um lento definhar da vila.

     Na altura em que esta corografia é efectuada, Vila Real de Santo António tem dois iates, dois cabiques viageiros, lanchas de pesca de 5 a 6 toneladas e 17 chavegas com 500 marítimos. Estas chavegas (barcas de arrastar) têm a si “atreladas” uma outra barca, chamada enviada, pelo que na realidade acabam por ser 34.

     As pessoas empregam-se sobretudo na pesca (mas nesta actividade não chegam a ser tão diligentes como os espanhóis), sendo que são poucos os que vão trabalhar para o campo. Quanto às mulheres e rapazes, trabalham no estivar da sardinha (que é a pesca mais importante), nas rendas de linha e nas obras de palma.

     A vila tem o segundo maior porto do Algarve, devido ao tamanho da barra, e apenas em 1839 entraram nele 533 embarcações:

          • 12 Navios redondos

          • 17 Iates

          • 139 Caiaques

          • 4 Rascas

          • 361 Barcos “de hum pão só”

     A sardinha é exportada para o estrangeiro, e para a sua preparação (entenda-se, salga e estivamento) existem oito fábricas, e mais 3 para os “barrilinhos de enxovetas” que vão para Itália. Quando não existem sardinhas, pescam-se ostras, que por vezes chegam a ser vendidas em Cádis e Gibraltar.

     Quanto à corvina, a sua pesca é deixada para os espanhóis, que a apanham com as famosas redes corvineiras.

Ergueu-se um muro junto ao Guadiana, para evitar que as casas sejam engolidas pelas águas, tal como já foram as areias.

     Quanto ao antigo pinhal, restam apenas 100 pinheiros. É competência da câmara fazer semear novos pinheiros. Isto poderia aumentar a diminuta renda da vila. Do mesmo modo, se fossem cuidados os bichos-da-seda das amoreiras que ainda restava, poder-se-ia fazer disso um bom ramo de indústria para os moradores.

     Vila Real de Santo António tem ainda governador militar com ajudante de praça, destacamento de tropa com alguns veteranos e fortes e baterias.


    
     A sua feira franca tem a data de 10 de Outubro e dura 3 dias; quanto ao correio, ele vem de Lisboa e chega às 3f, 5f e sábados pelas 23h, sendo que parte uma hora depois; é este correio que faz correspondência com Espanha.

     Em relação a Santo António de Arenilha, era uma vila situada na praia entre Cacela e Monte Gordo, mas terá sido consumida pelo mar e areias, de tal forma que mal são visíveis ruínas ou sinais de população.

     Já Monte Gordo é referido na corografia pela sua famosa pesca da sardinha (que veio a ser arruinada como já foi referido pela edificação da nova vila). Esta pesca (tão antiga que em 1488 foi dada dízima dela ao Infante D. Henrique por D. Duarte) era tão próspera que em 1774 havia nesta praia cerca de 5 mil homens, fora as muitas mulheres, e não menos de 100 barcas de arrastar. Esta população, que habitava mais de uma légua de cabanas, quando Vila Real foi edificada, viu as suas habitações queimadas e vão-se refugiar não na nova vila mas em Higuerita, um pequeno porto de Espanha, que foi assim enriquecendo. Diz-nos João Baptista Silva Lopes a este respeito:

“Cabedais sem couto nos teria fornecido esta povoação, deixando-a ficar no sito escolhido por aqueles que por prática entendiam melhor de seus interesses, do que os teóricos do gabinete que (…) estragam tudo o que tocam.”

     Faz ainda parte do concelho a freguesia de Cacela, tomada aos mouros por D. Paio Peres Correia sendo rei D. Sancho II.


     O seu foral foi atribuído por D. Dinis a 17 de Julho de 1283.

     A sua antiga igreja foi grandemente destruída pelo grande terramoto e foi reedificada, com duas naves, pelo Bispo D. Francisco Gomes. O seu prior pertencia à Ordem de Santiago.

     Em 1826, os dízimos da Comenda (cujo termo englobava também Castro Marim e Vila Real), sendo livres de décima, estimavam-se em 1.605.000 réis.

     Cacela conserva as ruínas dos antigos paços do concelho, bem como as casas de residência do pároco e sacristão e mais 4 ou 6 moradas.

     A norte, algumas ruínas indicam qual o lugar original da Vila.

     Está próxima de uma lagoa de água estagnada, o que torna o sítio doentio e propício ao despovoamento.

     Tem uma ponte em alvenaria (mandada construir pelo mesmo D. Francisco Gomes) de maneira a tornar transitável o caminho que antes sofria com o transbordo do ribeiro.

     As dimensões da freguesia são uma légua e meia de Norte a Sul e uma légua de Este a Oeste.

     Santa Rita (aldeia) fica a uma légua para Norte, junto à serra, e talvez fosse uma sede de freguesia mais cómoda, apesar de ter uma igreja pequena (que no entanto o povo não se importaria de aumentar às suas custas).

     Há casais e fazendas em boas terras de pão, e oliveiras com lagares próprios para fabrico do azeite.

     A freguesia é cultivada até ao sítio da Casa da Audiência 1 (uma légua a Oeste de Vila Real de Santo António, onde começa o areal e o pinhal).

     Corre nela a Ribeira de Gafa, que nasce a Este, na serra, e desemboca a Oeste na Ribeira do Almargem.

     Esta freguesia confina a Oeste com a freguesia da Conceição, a Norte com o Concelho de Castro Marim, a Sul com o Oceano e a Este com Vila Real de Santo António.




Conhece tudo de algo e algo de tudo.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A comarca de Tavira

A comarca de Tavira na “Corografia Portugueza e descripçam topográfica do famoso reyno de Portugal”, do padre António Carvalho da Costa, impressa em 1712.




Tavira situa-se a 4 léguas da foz do Guadiana. O seu rio Séqua é atravessado por ponte de 7 arcos com duas torres [hoje incorrectamente chamada ponte romana].

O seu castelo, já antigo e com fortes muros, foi ampliado no tempo de D. Dinis.

Topograficamente, é de fácil subida e circula um espaço de terra menos levantada, na qual está a maior parte da povoação. É rodeada de campos e terras hortícolas, onde crescem árvores e hortas. Entre o mar e terra firme corre uma lagoa de água salgada que fornece parte do peixe consumido na cidade; o resto do pescado vem do mar.

Segundo esta corografia, a 1ª fundação de Tavira deve-se a el-Rey Brigo (o padre António Carvalho da Costa baseia-se, para este assunto, em João Sedenho; há muitas referências a outras cidades portuguesas fundadas por este mesmo rei), e é por ele apelidada Talabriga [outra teoria diz que a antiga Balsa era Tavira; no entanto, isto é polémico e já tem vindo a ser refutado].

Em 1242, D. Paio Peres Correia conquista-a aos mouros, cujo chefe na altura era Aben Falula.

Destruída por várias guerras, foi reedificada por D. Afonso III em 1268 e foi elevada ao estatuto de cidade com D. Manuel. As suas Armas são uma ponte com uma Nau no seu porto Marítimo.

Tem juiz de fora e voto em Cortes, tendo assento no segundo banco, e a sua feira anual é a 4 de Outubro.

A uma légua para Nascente, começou-se a edificar um forte, obra de D. Sebastião.

Quanto ao seu alcaide-mor, é Henrique Correia da Silva.

Conta [à altura da impressão da corografia] com 3.200 vizinhos nobres e duas paróquias, Santa Maria e São Tiago. Santa Maria era a Igreja Matriz e conta com um Prior, dois beneficiados da ordem de Santiago e quatro do hábito de São Pedro. São Tiago também conta com um prior e quatro beneficiados do hábito de São Pedro.

Tem ainda com uma Casa da Misericórdia, um Hospital, um hospital para os passageiros (estrangeiros/visitantes?) 6 ermidas, Convento de S. Francisco (antigo celeiro dos Mouros e que na altura com 40 frades), Convento de Santo António dos Piedosos (fundado com esmolas do povo, começado a construir em 1612, sendo Ministro Provincial Frei João do Porto e Bispo do Algarve D. Fernão Martins Mascarenhas), o Convento de Nossa Senhora da Ajuda (Paulitas), o Convento de Nossa Senhora da Graça (eremitas de S. Agostinho) e ainda, fora de muros, um Mosteiro de Freiras Bernardas (que anteriormente pertencia aos Templários) e quatro ermidas.

As seis freguesias do termo de Tavira apontadas pela Corografia são:

• Nossa Senhora da Conceição, pertencente à ordem de Santiago;

• Nossa Senhora da Luz

• Nossa Senhora da Graça, situada em Moncarapacho, e que possuía uma ermida do Santo Cristo

• Santo Estêvão

• Santa Catarina da fonte do Bispo.

O corregedor de Tavira tinha também associadas a si mais duas vilas: Cacela [a actual Cacela Velha] e Castro Marim.

Quanto à vila de Cacela, diz-nos este documento que foi conquistada aos mouros por D. Sancho II e que mais tarde veio a ser doada a D. Paio Peres Correia.

Tinha 250 vizinhos e estava bem provida de pão, vinho, frutas, gado, caça e muito peixe.

Para além disso, tinha uma Igreja Paroquial de Invocação a Santa Maria, um Priorado da ordem de Santiago e 3 ermidas.

Já em relação a Castro Marim, diz-nos a Corografia que fica situada defronte de Ayamonte e tem um Castelo forte, adornado com 3 torres.

É considerada [como o foi até muito tarde] a melhor praça de armas do Algarve, e o conhecido Forte de São Sebastião.

Foi mandada povoar por D. Afonso III a 8 de Julho de 1277 e mais tarde, a 01 de Maio de 1282, recebe novos privilégios concedidos por D. Dinis.

É importante e interessante que tem votos em Cortes, com assento no banco 13, e que os seus alcaides-mores são os Condes de Soire.

Conta com 600 vizinhos, uma paróquia de invocação a Santiago, com Prior, e um beneficiado da ordem militar deste santo.

Possui Casa da Misericórdia e as seguintes ermidas: S. Sebastião, S. António, Nossa Senhora dos Mártires e S. Bartolomeu.

São referidas as suas salinas, que abastecem todo o Algarve. Para além disso, tem boas provisões de pão, vinho, frutas, gado, caça, peixe e muitas figueiras, que eram na altura o principal negócio dos seus moradores.

No termo desta vila contam-se 320 vizinhos e 2 lugares, Azinhal (com igreja paroquial de invocação ao Espírito Santo, sendo Curado do Bispo) e Odeleite (com igreja paroquial dedicada a Nossa Senhora da Assunção, cujo Capelão Curado pertencia à Ordem de Santiago).


Conhece tudo de algo e algo de tudo.