terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Concelho de Vila Real de Santo António (1841)

Concelho de Vila Real de Santo António na “Corografia, ou memória económica, estadística e topográfica do Reino do Algarve”, de João Baptista da Silva Lopes, 1841




A seguinte informação foi retirada da corografia indicada. É importante notar uma certa crítica por parte de João Baptista da Silva Lopes em relação ao local onde foi esta cidade implantada, não se coibindo de dizer a sua opinião e criticar a acção de “teóricos de gabinete que estragam tudo em quanto põem mão”.

     O concelho confina com o de Castro Marim a Norte, o de Tavira (a Oeste), com o mar a Sul e o Rio Guadiana a Este. Os seus terrenos são arenosos e de pouca produção de cereais; são no entanto férteis para culturas hortícolas e para frutos como a laranja e a maçã. Produzem-se ainda uvas para excelentes vinhos. Quanto à água, apesar de proveniente de poços, é de excelente qualidade e abundante: “basta fazer uma cova na areia, de 4 a 5 palmos de profundidade, para a encontrar” (pg. 385, ou 365 – é um pouco ilegível o indicador das dezenas).

     A nova vila, Vila Real de Santo António de Arenilha foi fundada por D. José, através de Sebastião José de Carvalho e Melo, e edificada em apenas 5 meses. Obrigou a grande despesa pública e particular, tendo estes últimos (particulares) sido “convidados” (leia-se obrigados) a construírem suas casas aí.

     É de construção com ruas largas e ângulos rectos. Tem uma boa praça com obelisco de mármore, uma igreja moderna de uma só nave e Paços do Concelho. A foz do Guadiana situa-se a um quarto de légua a norte, já que o limite da vila é o pelourinho. Mostra isto que o projecto inicial de edificação não foi concluído, já que o dito monumento dever-se-ia situar no centro da vila. A distância de Vila Real de Santo António a Ayamonte é de “hum tiro de bala”.

     É esta vila defendida pelo forte e bateria da Ponta da Areia.



     A edificação desta vila veio arruinar a famosa pesca da sardinha em Monte Gordo entre outros motivos porque vai obrigar os pescadores a venderem em lota a sardinha pescada na costa.

     Isso vai levar a um lento definhar da vila.

     Na altura em que esta corografia é efectuada, Vila Real de Santo António tem dois iates, dois cabiques viageiros, lanchas de pesca de 5 a 6 toneladas e 17 chavegas com 500 marítimos. Estas chavegas (barcas de arrastar) têm a si “atreladas” uma outra barca, chamada enviada, pelo que na realidade acabam por ser 34.

     As pessoas empregam-se sobretudo na pesca (mas nesta actividade não chegam a ser tão diligentes como os espanhóis), sendo que são poucos os que vão trabalhar para o campo. Quanto às mulheres e rapazes, trabalham no estivar da sardinha (que é a pesca mais importante), nas rendas de linha e nas obras de palma.

     A vila tem o segundo maior porto do Algarve, devido ao tamanho da barra, e apenas em 1839 entraram nele 533 embarcações:

          • 12 Navios redondos

          • 17 Iates

          • 139 Caiaques

          • 4 Rascas

          • 361 Barcos “de hum pão só”

     A sardinha é exportada para o estrangeiro, e para a sua preparação (entenda-se, salga e estivamento) existem oito fábricas, e mais 3 para os “barrilinhos de enxovetas” que vão para Itália. Quando não existem sardinhas, pescam-se ostras, que por vezes chegam a ser vendidas em Cádis e Gibraltar.

     Quanto à corvina, a sua pesca é deixada para os espanhóis, que a apanham com as famosas redes corvineiras.

Ergueu-se um muro junto ao Guadiana, para evitar que as casas sejam engolidas pelas águas, tal como já foram as areias.

     Quanto ao antigo pinhal, restam apenas 100 pinheiros. É competência da câmara fazer semear novos pinheiros. Isto poderia aumentar a diminuta renda da vila. Do mesmo modo, se fossem cuidados os bichos-da-seda das amoreiras que ainda restava, poder-se-ia fazer disso um bom ramo de indústria para os moradores.

     Vila Real de Santo António tem ainda governador militar com ajudante de praça, destacamento de tropa com alguns veteranos e fortes e baterias.


    
     A sua feira franca tem a data de 10 de Outubro e dura 3 dias; quanto ao correio, ele vem de Lisboa e chega às 3f, 5f e sábados pelas 23h, sendo que parte uma hora depois; é este correio que faz correspondência com Espanha.

     Em relação a Santo António de Arenilha, era uma vila situada na praia entre Cacela e Monte Gordo, mas terá sido consumida pelo mar e areias, de tal forma que mal são visíveis ruínas ou sinais de população.

     Já Monte Gordo é referido na corografia pela sua famosa pesca da sardinha (que veio a ser arruinada como já foi referido pela edificação da nova vila). Esta pesca (tão antiga que em 1488 foi dada dízima dela ao Infante D. Henrique por D. Duarte) era tão próspera que em 1774 havia nesta praia cerca de 5 mil homens, fora as muitas mulheres, e não menos de 100 barcas de arrastar. Esta população, que habitava mais de uma légua de cabanas, quando Vila Real foi edificada, viu as suas habitações queimadas e vão-se refugiar não na nova vila mas em Higuerita, um pequeno porto de Espanha, que foi assim enriquecendo. Diz-nos João Baptista Silva Lopes a este respeito:

“Cabedais sem couto nos teria fornecido esta povoação, deixando-a ficar no sito escolhido por aqueles que por prática entendiam melhor de seus interesses, do que os teóricos do gabinete que (…) estragam tudo o que tocam.”

     Faz ainda parte do concelho a freguesia de Cacela, tomada aos mouros por D. Paio Peres Correia sendo rei D. Sancho II.


     O seu foral foi atribuído por D. Dinis a 17 de Julho de 1283.

     A sua antiga igreja foi grandemente destruída pelo grande terramoto e foi reedificada, com duas naves, pelo Bispo D. Francisco Gomes. O seu prior pertencia à Ordem de Santiago.

     Em 1826, os dízimos da Comenda (cujo termo englobava também Castro Marim e Vila Real), sendo livres de décima, estimavam-se em 1.605.000 réis.

     Cacela conserva as ruínas dos antigos paços do concelho, bem como as casas de residência do pároco e sacristão e mais 4 ou 6 moradas.

     A norte, algumas ruínas indicam qual o lugar original da Vila.

     Está próxima de uma lagoa de água estagnada, o que torna o sítio doentio e propício ao despovoamento.

     Tem uma ponte em alvenaria (mandada construir pelo mesmo D. Francisco Gomes) de maneira a tornar transitável o caminho que antes sofria com o transbordo do ribeiro.

     As dimensões da freguesia são uma légua e meia de Norte a Sul e uma légua de Este a Oeste.

     Santa Rita (aldeia) fica a uma légua para Norte, junto à serra, e talvez fosse uma sede de freguesia mais cómoda, apesar de ter uma igreja pequena (que no entanto o povo não se importaria de aumentar às suas custas).

     Há casais e fazendas em boas terras de pão, e oliveiras com lagares próprios para fabrico do azeite.

     A freguesia é cultivada até ao sítio da Casa da Audiência 1 (uma légua a Oeste de Vila Real de Santo António, onde começa o areal e o pinhal).

     Corre nela a Ribeira de Gafa, que nasce a Este, na serra, e desemboca a Oeste na Ribeira do Almargem.

     Esta freguesia confina a Oeste com a freguesia da Conceição, a Norte com o Concelho de Castro Marim, a Sul com o Oceano e a Este com Vila Real de Santo António.




Conhece tudo de algo e algo de tudo.

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